Nesta postagem eu vou mostrar o que exatamente significa dizer que a bijeção $$hom(C, X \times Y) \cong hom(< C, C >, < X, Y >)$$ é natural, que era a nossa questão inicial deixada em aberto. Para isso, nós vamos precisar da noção de transformação natural.
Transformação Natural
Para explicar a noção de transformação natural de forma intuitiva, deixe-nos considerar uma situação que surge frequentemente. Por exemplo, seja $C$ uma categoria arbitrária, muitas vezes nos deparamos com uma determinada construção sobre $C$ que se relaciona com outra determinada construção de maneira tal que é independente de objetos específicos e setas envolvidas. Em tal situação, a relação se dá entre as próprias construções. Para exemplificar, vamos considerar que $C$ tem produtos, e vamos supor que $a, b, c$ são objetos de $C$. Agora, considere o seguinte: $(a \times b) \times c$ e $a \times (b \times c)$. Agora, note que existe um isomorfismo $h: (a\times b) \times c \rightarrow a \times (b \times c)$ que não depende da especificidade dos objetos $a, b, c$, ou seja, é independente do que são os objetos $a, b, c$. Mas, o que isso significa? Uma maneira de explicar é da seguinte forma: dada qualquer seta $f:a \rightarrow a´$ nós temos um quadrado comutativo como segue:
Transformação Natural
Para explicar a noção de transformação natural de forma intuitiva, deixe-nos considerar uma situação que surge frequentemente. Por exemplo, seja $C$ uma categoria arbitrária, muitas vezes nos deparamos com uma determinada construção sobre $C$ que se relaciona com outra determinada construção de maneira tal que é independente de objetos específicos e setas envolvidas. Em tal situação, a relação se dá entre as próprias construções. Para exemplificar, vamos considerar que $C$ tem produtos, e vamos supor que $a, b, c$ são objetos de $C$. Agora, considere o seguinte: $(a \times b) \times c$ e $a \times (b \times c)$. Agora, note que existe um isomorfismo $h: (a\times b) \times c \rightarrow a \times (b \times c)$ que não depende da especificidade dos objetos $a, b, c$, ou seja, é independente do que são os objetos $a, b, c$. Mas, o que isso significa? Uma maneira de explicar é da seguinte forma: dada qualquer seta $f:a \rightarrow a´$ nós temos um quadrado comutativo como segue:
Como podemos ver, o isomorfismo
acima é uma relação que se dá, na verdade, entre as construções $(- \times b) \times c$ e $- \times (b \times c)$, ou seja, o isomorfismo é independente da consideração
sobre o que é tomado como argumento. Obviamente que o que estamos querendo
dizer com “construção” é, claro, apenas um funtor, e o que estamos querendo
dizer por “relação entre construções” é na verdade uma seta entre funtores. No
nosso exemplo, o isomorfismo $(- \times b) \times c \cong - \times (b \times c)$ é um isomorfismo de
funtores $C \rightarrow C$, onde $C$ é, claro, uma categoria. Se tomarmos os funtores $(- \times -) \times -:C \times C \times C \rightarrow C$ e $- \times (- \times -):C \times C \times C \rightarrow C$ de três argumentos, o
isomorfismo $(- \times -) \times - \cong - \times (- \times -)$ permanece de maneira
análoga, nesse caso, um isomorfismo de funtores $C \times C \times C \rightarrow C$. É isso o que a definição de transformação natural captura
de forma rigorosa.
Definição. Dados dois funtores $S, T:C \rightarrow B$, uma transformação natural $\tau:S \xrightarrow{.} T$ é uma função que
atribui a cada objeto $c$ de $C$ uma seta $\tau_c = \tau (c):S(c) \rightarrow T(c)$ de $B$ de tal forma que cada
seta $f:c \rightarrow c´$ em $C$ produz um diagrama
comutativo. Como pode ser visto, os funtores precisam possuir os mesmos
domínios e codomínios. Deixe-nos pormenorizar um pouco mais essa noção.
Componentes: cada objeto $c$ de $C$ é mapeado para uma
seta $S(c) \rightarrow T(c)$ em $B$, que são os
componentes de $\tau$ em $c$. O seguinte diagrama mostra de forma mais intuitiva esse
processo:
Isso
é o que ocorre com os objetos da categoria domínio dos funtores $S, T:C \rightarrow B$. Agora vamos mostrar o que ocorre com a estrutura nessa
categoria, para isso, devemos mostrar o que ocorre com as setas em $C$, $f:c \rightarrow c´$, em $B$.
Condição de Naturalidade: cada seta $f:c \rightarrow c´$ em $C$ é mapeada para duas setas em $B$, componentes de $\tau$ em $c$ e em $c´$. Novamente, o diagrama abaixo mostra de forma mais intuitiva esse processo:
Para constatar a naturalidade é
requerido que o diagrama em $B$ comute, ou seja, é requerido que $\tau (c´)
\circ S(f) = T(f) \circ \tau (c)$. Quando isso é o caso, dizemos que $\tau
(c):S(c) \rightarrow T(c)$ é natural em $c$, e como vimos, $\tau (a), \tau (b),
\tau (c),...$ são chamados os componentes da transformação natural $\tau$. Como
é fácil constatar, aqui se dá um passo adiante no caminho da abstração e
define-se o que podemos chamar de uma seta entre funtores.
Proposição 01. Sejam $S, T:C
\rightarrow B$ funtores e $\tau:S \xrightarrow{.}T$ uma transformação natural de
$S$ para $T$. Assuma que, para cada objeto $a$ de $C$, $\tau_a:S(a) \rightarrow
T(a)$ é um isomorfismo. Então, $\tau$ é um isomorfismo natural.
Demonstração. Defina $\tau^{-1}:T \rightarrow S$ por $\tau{^{-1}}_a = (\tau_a)^{-1}$.
$\tau^{-1}$ é natural, desde que para cada seta $f:a \rightarrow b$ em $C$, nós temos
$\tau{^{-1}}_b \circ T(f) =$
$= (\tau_b)^{-1} \circ T(f) \circ \tau_a \circ (\tau_a)^{-1}$
$= (\tau_b)^{-1} \circ \tau_b \circ S(f) \circ (\tau_a)^{-1}$
$= T(f) \circ \tau{^{-1}}_a$ .
Assim, se cada componente $\tau (c)$ da transformação natural $\tau$ é invertível em $B$, ou seja, se para cada $\tau (c)$ existe uma inversa $(\tau (c))^{-1}$ em $B$, $\tau$ é uma equivalência natural ou um isomorfismo natural, e é denotada por $\tau:S \cong T$ e, obviamente, as inversas $(\tau (c))^{-1}$ em $B$ são os componentes de um isomorfismo natural $\tau^{-1}:T \xrightarrow{.} S$.
Para uma melhor compreensão
intuitiva, podemos fazer um paralelo com a noção de funtor. Se um funtor $S$ de $C$ em $B$ dá uma imagem em $B$ de todos os objetos e
setas de $C$, uma transformação natural $\tau$ é um conjunto de setas mapeando (ou traduzindo) a imagem de $S$ para a imagem de $T$. Isso é o mesmo que dizer que todos os quadrados e
paralelogramos do diagrama abaixo comutam:
Bijeção Natural
Agora podemos responder de forma inequívoca a nossa questão
inicial sobre o que significa exatamente dizer que a bijeção $$hom(C, X \times
Y) \cong hom(< C, C >, < X, Y >)$$ é natural. Recordem-se que essa bijeção envolve duas construções, a saber, $\Delta (C) = < C, C >$ e $< X, Y > \mapsto X \times Y$. A questão (1) da Parte 1 indagava justamente sobre o que são essas construções. As duas construções acima são apenas dois funtores, respectivamente, $\Delta:Set \rightarrow Set \times Set$ e $ \otimes :Set \times Set \rightarrow Set$, onde $Set$ é a categoria que possui conjuntos como objetos e funções como setas. Nós vamos responder agora a questão (2), ou seja, a questão sobre como essas construções (funtores) se relacionam a fim de estabelecer uma bijeção que não depende da especificação dos objetos.
Dizer que a bijeção acima é natural significa exatamente dizer que existe um isomorfismo natural entre os funtores $hom_{Set}(-, \otimes (< -, - >)$ e $hom_{Set \times Set}(\Delta(-), < -, - >)$, que são, respectivamente, a composição do funtor produto $Id^{op} \times \otimes:Set^{op} \times (Set \times Set) \rightarrow Set^{op} \times Set$ com o bifuntor hom $hom_{Set}(-, -):Set^{op} \times Set \rightarrow Set$, ou seja, a composição $$hom_{Set}(-, \otimes (< -, - >):Set^{op} \times (Set \times Set) \rightarrow Set$$ que leva cada par de objetos $< C, < X, Y > >$ para o conjunto hom $$hom_{Set}(C, \otimes(< X, Y >)) = hom_{Set}(C, X \times Y)$$ Da mesma forma, $hom_{Set \times Set}(\Delta(-), < -, - >)$ é a composição do funtor produto $\Delta^{op} \times Id:Set^{op} \times (Set \times Set) \rightarrow (Set \times Set)^{op} \times (Set \times Set)$ com o bifuntor hom $$hom_{Set \times Set}(-, -):(Set \times Set)^{op} \times (Set \times Set) \rightarrow Set$$ ou seja, a composição $$hom_{Set \times Set}(\Delta(-), < -, - >):Set^{op} \times (Set \times Set) \rightarrow Set$$ que leva cada par de objetos $< C, < X, Y >>$ para o conjunto hom $$hom_{Set \times Set}(\Delta (C), < X, Y >) = hom_{Set \times Set}(< C, C >, < X, Y >)$$ Assim, dizer que a bijeção $$hom(C, X \times Y) \cong hom(< C, C >, < X, Y >)$$ é natural é dizer que existe uma transformação natural $$\varphi:hom_{Set \times Set}(\Delta(-), < -, - >) \xrightarrow{.} hom_{Set}(-, \otimes(< -, - >))$$ tal que, para cada seta (função) $f:C \rightarrow C´$ em $Set$, e cada seta (produto de funções) $< f, g >:< X, Y > \rightarrow < X´, Y´ >$ em $Set \times Set$, os dois diagramas abaixo, respectivamente, comutam (para não sobrecarregar a notação, vamos usar uma notação mais econômica para os conjuntos hom, vamos denotar $hom_{Set}(C, \otimes (< X, Y >))$ pela mais econômica $S(C, \otimes (< X, Y >))$ e $hom_{Set \times Set}(\Delta (C), < X, Y >)$ por $S \times S(\Delta (C), < X, Y >)$):
Dizer que a bijeção acima é natural significa exatamente dizer que existe um isomorfismo natural entre os funtores $hom_{Set}(-, \otimes (< -, - >)$ e $hom_{Set \times Set}(\Delta(-), < -, - >)$, que são, respectivamente, a composição do funtor produto $Id^{op} \times \otimes:Set^{op} \times (Set \times Set) \rightarrow Set^{op} \times Set$ com o bifuntor hom $hom_{Set}(-, -):Set^{op} \times Set \rightarrow Set$, ou seja, a composição $$hom_{Set}(-, \otimes (< -, - >):Set^{op} \times (Set \times Set) \rightarrow Set$$ que leva cada par de objetos $< C, < X, Y > >$ para o conjunto hom $$hom_{Set}(C, \otimes(< X, Y >)) = hom_{Set}(C, X \times Y)$$ Da mesma forma, $hom_{Set \times Set}(\Delta(-), < -, - >)$ é a composição do funtor produto $\Delta^{op} \times Id:Set^{op} \times (Set \times Set) \rightarrow (Set \times Set)^{op} \times (Set \times Set)$ com o bifuntor hom $$hom_{Set \times Set}(-, -):(Set \times Set)^{op} \times (Set \times Set) \rightarrow Set$$ ou seja, a composição $$hom_{Set \times Set}(\Delta(-), < -, - >):Set^{op} \times (Set \times Set) \rightarrow Set$$ que leva cada par de objetos $< C, < X, Y >>$ para o conjunto hom $$hom_{Set \times Set}(\Delta (C), < X, Y >) = hom_{Set \times Set}(< C, C >, < X, Y >)$$ Assim, dizer que a bijeção $$hom(C, X \times Y) \cong hom(< C, C >, < X, Y >)$$ é natural é dizer que existe uma transformação natural $$\varphi:hom_{Set \times Set}(\Delta(-), < -, - >) \xrightarrow{.} hom_{Set}(-, \otimes(< -, - >))$$ tal que, para cada seta (função) $f:C \rightarrow C´$ em $Set$, e cada seta (produto de funções) $< f, g >:< X, Y > \rightarrow < X´, Y´ >$ em $Set \times Set$, os dois diagramas abaixo, respectivamente, comutam (para não sobrecarregar a notação, vamos usar uma notação mais econômica para os conjuntos hom, vamos denotar $hom_{Set}(C, \otimes (< X, Y >))$ pela mais econômica $S(C, \otimes (< X, Y >))$ e $hom_{Set \times Set}(\Delta (C), < X, Y >)$ por $S \times S(\Delta (C), < X, Y >)$):
e, além disso, cada componente $$\varphi_C = \varphi (C):S(C, \otimes (< X, Y >) \rightarrow S \times S(\Delta (C), < X, Y >)$$ e $$\varphi_{< X, Y >} = \varphi (< X, Y >):S(C, \otimes(< X, Y >)) \rightarrow S \times S(\Delta (C), < X, Y >)$$ é um isomorfismo em $Set$. Pela Proposição 01, $\varphi$ é um isomorfismo natural. Como estamos na categoria $Set$ de conjuntos e funções, um isomorfismo é apenas uma bijeção; assim, $\varphi$ é uma bijeção natural. Note que o que estamos considerando aqui é uma resposta à questão sobre o que significa exatamente dizer que uma bijeção é natural. Obviamente que constatar a naturalidade envolve verificar que, de fato, as condições citadas acima são o caso. Outra coisa importante para citar é que, na verdade, tudo isso diz respeito a uma noção bem mais geral, a saber, a noção de funtores adjuntos.
Esta postagem encerra a série sobre as noções básicas de Teoria das Categorias. O material em português sobre Teoria das Categorias ainda é escasso; dessa forma, espero que esta série possa ser útil a quem deseja entender um pouco sobre como funciona a teoria.
Esta postagem encerra a série sobre as noções básicas de Teoria das Categorias. O material em português sobre Teoria das Categorias ainda é escasso; dessa forma, espero que esta série possa ser útil a quem deseja entender um pouco sobre como funciona a teoria.