quarta-feira, 17 de junho de 2015

Noções básicas de Teoria das Categorias (Parte 3 - Funtores (Covariantes e Contravariantes), Dualidade e Categorias opostas)


Funtores (Covariantes) 

Grosso modo, funtores são transformações entre categorias que preservam domínios, codomínios, identidades e composições

Definição. Dadas duas categorias $C$ e $D$ arbitrárias, um funtor (covariante) $F:C \rightarrow D$ é uma transformação consistindo de duas funções adequadamente relacionadas: a função objeto $F$, que atribui a cada objeto $c$ de $C$ um objeto $F(c)$ de $D$; e a função seta, também denotada por $F$, que atribui a cada seta $f:c \rightarrow c´$ de $C$ uma seta $F(f):F(c) \rightarrow F(c´)$ de $D$, de tal forma que satisfaz as seguintes condições:

(F1) $F(g \circ f) = F(g) \circ F(f)$, para todo par $(g,f)$ de setas de $C$ cuja composição $g \circ f$ está definida; e

(F2) $F(1_c) = 1_{F(c)}$.

Uma explicação mais clara sobre (F1) será útil. Tal condição afirma que sempre que o diagrama abaixo comuta em $C$, 
ou seja, $h = g \circ f$, o diagrama abaixo também comuta em $D$
ou seja, $F(h) = F(g) \circ F(f)$. A $F$-imagem de uma composição de duas setas é a composição das suas $F$-imagens.

Funtores podem ser descritos em termos de conjuntos hom. Seja $F:C \rightarrow B$ um funtor, a descrição de $F$ usando conjuntos hom apenas “reescreve” a função seta, a função objeto é a usual. A função seta é uma coleção de funções $F_{c,c´}:hom_C(c, c´) \rightarrow hom_B(F(c), F(c´))$ dadas por $f \mapsto F(f)$, para $f \in hom_C(c, c´)$, tal que cada $F_{c, c}(1_c) = F(1_c)$, e tal que cada diagrama,



sendo as setas horizontais a composição em $B$ e $C$, é comutativo. 

Note que o tipo de funtor que estamos considerando até agora é o chamado covariante; existem também os funtores contravariantes. Entretanto, para que possamos considerar esse tipo de funtor, teremos que falar sobre dualidade. 

Dualidade

A noção de dualidade é uma das mais importantes em teoria das categorias, ela nos permite concluir, a partir da obtenção de um resultado válido em uma dada categoria, que tal resultado é igualmente válido na sua categoria oposta. Essa propriedade faz com que comumente seja dito que a teoria das categorias reduz o trabalho pela metade. Grosso modo, a dualidade categorial é o processo de reverter todas as setas. Por exemplo, monomorfismos e epimorfismos são noções duais, assim como as noções de objeto inicial e objeto terminal. Daremos aqui uma exata descrição desse processo sobre uma base axiomática. 

As afirmações $\Sigma$ que consistem a teoria elementar de uma categoria abstrata (ETAC do inglês elementary theory of an abstract category) envolvem letras $a,b,c,...$ para objetos e letras $f,g,h,...$ para setas. As afirmações atômicas que envolvem os usuais termos indefinidos da teoria das categorias são as afirmações “$a$ é o domínio de $f$”, “$b$ é o codomínio de $f$”, “$i$ é a seta identidade de $a$”, e “$g$ pode ser composta com $f$, e $h$ é a composição”, “$a = b$” e “$f = g$”. Como é usual, podemos escrevê-las em forma de equações familiares: $a = domf$”, “$h = g \circ f$”. Dessa forma, uma afirmação $\Sigma$ é qualquer frase construída a partir das afirmações atômicas por meio dos conectivos proposicionais ordinários (e, ou, não, implica, se e somente se) e os quantificadores usuais (“para todo $a$”, “para todo $f$”, “existe um $a...$”, “existe um $f...$”). Por exemplo, “$a$ é o domínio de $f$ e $b$ é o codomínio de $f$” é uma afirmação $\Sigma$, o que se denota por “$f:a \rightarrow b$”. Uma sentença é uma afirmação $\Sigma$ cujas variáveis estão todas ligadas por quantificadores, por exemplo, “para todo $f$ existem $a$ e $b$ com $f:a \rightarrow b$”. Os axiomas são sentenças verdadeiras em todas as categorias. A afirmação dual de uma afirmação $\Sigma$ de ETAC, que se denota por $\Sigma^*$, é construída por meio das seguintes substituições em $\Sigma$: “domínio” por “codomínio”, e “$h$ é a composição de $g$ com $f$” por “$h$ é a composição de $f$ com $g$”; setas e composições são invertidas, mas a parte lógica é mantida inalterada. Assim, também é o caso que as duais dos axiomas para uma categoria são axiomas. Como é claro de maneira óbvia, a afirmação dual da afirmação dual é a afirmação original, ou seja, $\Sigma^{**} = \Sigma$. É fácil ver que se uma afirmação $\Sigma$ envolve algum tipo de diagrama de objetos e setas, então a afirmação dual $\Sigma^*$ envolve o diagrama obtido pela inversão da direção e ordem das composições de setas, tal como podemos ver abaixo 

Princípio de dualidade: Se uma afirmação $\Sigma$ da teoria elementar de uma categoria abstrata é uma consequência dos axiomas, então, a afirmação dual $\Sigma^*$ também o é.

Esse princípio significa que se temos a prova de um teorema sobre uma categoria arbitrária a partir dos axiomas, e substituirmos cada afirmação pela sua dual, nós temos uma prova válida da conclusão dual. Por exemplo, a demonstração do teorema da unicidade a menos de isomorfismo do objeto inicial, nos dá, por meio do processo supracitado, a demonstração do teorema dual, a saber, a unicidade a menos de isomorfismo do objeto terminal. 
 
Categoria oposta (ou dual) 

 Dada uma categoria qualquer $C$, nós sempre podemos associar a $C$ a sua categoria oposta, a qual se denota por $C^{op}$: os objetos da categoria $C^{op}$ são os objetos da categoria $C$; as setas da categoria $C^{op}$, as quais são denotadas por $f^{op}, g^{op}, h^{op}...$ estão em uma correspondência 1 - 1, $f \mapsto f^{op}$, com as setas da categoria $C$, sendo que a direção das setas $f^{op}$ é uma inversão da direção das setas $f$, ou seja, para cada seta $f:a \rightarrow b$ da categoria $C$, o domínio e codomínio das correspondentes $f^{op}$ da categoria $C^{op}$ são como em $f^{op}:b \rightarrow a$; a composição $f^{op} \circ g^{op}$ das setas em $C^{op}$ é definida como $(g \circ f)^{op}$ exatamente quando a composição $g \circ f$ está definida em $C$; as setas identidade, obviamente, são iguais nas duas categorias. 

Em termos de conjuntos hom a categoria $C^{op}$ é definida da seguinte forma:
1. $ObC^{op} = ObC$;

2. Dados $a,b \in C^{op}$, nós temos que $f^{op} \in hom_{C^{op}}(a, b) \iff f \in hom_C(b, a)$;

3. Dados $a,b, c \in C^{op}$, a operação dual de composição categorial $$\circ^{op}:hom_{C^{op}}(a, b) \times hom_{C^{op}}(b, c) \rightarrow hom_{C^{op}}(a, c)$$ é tal que $g \circ^{op} f = (f \circ g)^{op}$, sempre que $f \circ g$ está definida;

4. Dado $a \in ObC^{op}$, nós temos $(1_a)^{op} = 1_a$.

Esse processo traduz qualquer afirmação $\Sigma$ sobre $C$ na afirmação dual $\Sigma^*$ sobre $C^{op}$. Pode-se provar por meio de uma indução evidente sobre a construção de $\Sigma$, a partir das afirmações atômicas, que se $\Sigma$ é uma afirmação com variáveis livres $f, g,...$ na teoria elementar de uma categoria abstrata, então $\Sigma$ é verdadeira para setas $f, g,...$ de uma categoria $C$ se, e somente se, a afirmação dual $\Sigma^*$ é verdadeira para as setas $f^{op}, g^{op},...$ da categoria oposta $C^{op}$. Em particular, uma sentença $\Sigma$ é verdadeira em $C^{op}$ se, e somente se, a sentença dual $\Sigma^{op}$ é verdadeira em $C$. Obviamente, isso significa que nós podemos interpretar a dual de uma propriedade $\Sigma$ como a propriedade original aplicada à categoria oposta. 

Funtores (contravariantes)

Os funtores definidos acima preservam a direção das setas, ou seja, são covariantes. Existem, no entanto, funtores que invertem tal direção, são os chamados funtores contravariantes. Devemos, agora, utilizar o que foi exposto acima para explanar a noção de contravariância. Um funtor $T:C \rightarrow B$ pode ter a sua função seta $f \mapsto T(f)$ reescrita como $f^{op} \mapsto (T(f))^{op}$ e, junto com a sua função objeto $c \mapsto T(c)$, dar origem a um funtor da categoria oposta de $C$ para a categoria oposta de $B$, o qual é denotado por  $T^{op}:C^{op} \rightarrow B^{op}$. 

Vamos considerar agora um funtor $S:C^{op} \rightarrow B$. Por definição, sabemos que a função objeto de $S$ atribui a cada objeto $c$ de $C^{op}$ um objeto $S(c)$ de $B$, e a função seta atribui a cada seta $f^{op}:b \rightarrow a$ em $C^{op}$ uma seta $S(f^{op}):S(b) \rightarrow S(a)$ em $B$. Sabemos também pela definição de funtor que $S(f^{op} \circ g^{op}) = S(f^{op}) \circ S(g^{op})$, sempre que $f^{op} \circ g^{op}$ está definida. O que nós queremos mostrar é que podemos expressar o funtor $S$ em termos de $C$, ou seja, em termos da categoria original. Nós podemos escrever $\hat{S}(f)$ para $S(f^{op})$, obtendo, assim, um funtor contravariante $C \rightarrow B$, definido pela função objeto $c \mapsto \hat{S}(c)$, e pela função seta $(f:a \rightarrow b) \mapsto (\hat{S}(f):\hat{S}(b) \rightarrow \hat{S}(a))$, com, obviamente, $\hat{S}(1_c) = 1_{\hat{S}(c)}$ e, sempre que $f \circ g$ está definida em $C$, $\hat{S}(f \circ g) = \hat{S}(g) \circ \hat{S}(f)$.

Na próxima postagem vamos falar sobre transformação natural. 
 


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